Rio de Janeiro, 24 de dezembro
Vinicinhos,
   É uma saudade quase irracional que sinto dele, vá, diz a ele pra que regresse. Chega de saudade!
   A brisa vem e descobre seu cheiro perdido em meus cabelos, vá, faça um poema que grite isso que se passa em meu peito. E não sei se chama amor, paixão, é fogo que arde e aquece a alma. Vá, que é “pra acabar com esse negócio dele viver sem mim”.
   Bossa nova segreda amores impossíveis no toca-discos. E vou assim, dançando mansa, sozinha, perdida entre martinis e amor. Não ouso acender a luz, vou deixando a escuridão entrar, abro a janela para a noite e é lua cheia, há gotas de luar pelo tapete, danço entre elas, com elas. As estrelas pingam lentas e felizes.
   Termine o poema assim, caro amigo, dizendo a ele que estou esperando com meu vestido vermelho, pés descalços, sambando lento, sambando doce. Cabelos soltos e perfume no ar.
   É bonito de se ver, um amor assim. Mais bonito ainda de se ter.

   Boa noite, meu poetinha, a gente se encontra entre teus versos, que não são teus, mas sim para quem os escreve.

(...)

Dezembro, 27, 1995. Canadá.

My dear, 
     Sentei em um desses cafés de esquina, com mesinhas de madeira na rua e guarda-sol de cores claras, aconchegante. Sentei com um livro, meu óculos escuro grande e vestido florido. Como há de ser nessa primavera quase-européia. Sentei em um café, mas o calor me fez pedir um suco natural, bem gelado. Fiquei assim: de frente pra rua, livro aberto – como se alguém (normal e míope) lesse de óculos de sol. Observei crianças com sorvetes coloridos, cachorros de madame, casal de velhinhos. Fiquei atenta a vida, até... até uma moça, jovem, uns 20 e pouco anos (ou até menos, você sabe como elas crescem rápido, né?). A moça que não sei o nome, sentada de lado pra rua, mas de frente pra mim, óculos escuros grande, cabelos longos, ar de quem sofre por amor. Acho que ela era estrangeira, talvez Brasil, México, não sei. A moça olhou pra rua e suspirou:

   “Honestamente – ela disse em voz alta – acho que fui traída, ou trai primeiro?! É isso! Havia um pacto, compreende? Mas não dava mais. Simplesmente não dava. Vê-lo ali, pulsando fraco, sem cor, não! De jeito nenhum! Cutuquei, gritei. Claro, senti medo, mas arrisquei, oras. Desculpa, coração. Mas vê-lo assim, vermelho, ardendo em chamas, pulsando forte, cheio de esperança. Apaixonado! Me dói menos, me dói nada, nadinha. E assim vai continuar, pois quebrei o pacto. Você entende o que tento dizer? Ah! O amor é tão mais lindo...”

    Quase respondi, mas o quê? Por instantes pensei que estava com um daqueles foninhos modernos quase-invisíveis sem fio. Mas não! Ela olhava longe, fundo. Como se alguém do outro lado do horizonte pudesse ouvi-la.
  Levantou assim: com ar de cansada, quero-minha-casa-mas-onde-é?-pertenço-ao-mundo. Aposto que é moça viajada. Sofrida. Tropicalista. Deu um tchauzinho curto, quase imperceptível, não sei se foi pro café, pra mim, pra alguém lá do fundo, pra cidade, pra vida. Não sei.
    Foi embora assim: com perfume de quero-colo-mas-vou-seguir-sozinha. Imagino um final pra essa moça: parada no aeroporto de seu país, lendo lentamente os vôos, dispersa. Talvez falando sozinha. Um abraço apertado, ‘te amo’, ’senti sua falta’, ‘que bom que voltou’.
     E ela seguirá assim: sem precisar embarcar em outro avião rumo à solidão. Sem um porto. Sem medo de sair do aeroporto, talvez Brasil, talvez México, e descobrir que tudo – ou nada – mudou.
     Ela seguirá assim: sem fugir do ‘não’ de quem lhe roubou o coração. Seguirá acreditando que “o amor é tão mais lindo”.
       E eu segui assim: avião rumo ao México, traçando essas linhas tortas pra te contar sobre essa moça que é você, eu, todos nós e a esperança no amor.
       Mesmo após tantos anos – não sei se 18 ou 22 – tenho medo do que me espera por aí. Continuo sem endereço, então.
     Mando-lhe passagens pro México, mas não se sinta obrigado.

Saudade eterna.
Da sua,
V.
Paris, 28 de outubro de 1985
 
Litlle darling,
  dói fundo esses teus silêncios febris, tuas fugas inúteis para longe de mim. Ouça, nada peço além de me deixar viver ao teu lado, cuidar de teu coração doente e limpar tua mente cansada. Dói te observar perdida e desesperada entre esses caminhos perigosos da vida. Dói mais ainda esse teu orgulho, esse teu espírito mundano e sujo que não perdoa meus erros.
  Vê-te, querida, estou cá perdida entre franceses de todas as espécies, antes do Natal espero voltar para o Brasil, saudade louca desse país doente. Mais saudade ainda de ti, minha pequena. Vendi meu apartamento, meu carro e minhas jóias. Levo para ti um presente, para que possa me perdoar. Levo também, onde quer que eu vá uma foto tua. Foto que tirei na primavera de 67, aquele jardim famoso lá de New York. Naquele mesmo jardim que nos vimos pela última vez em 72. Como sinto tua falta, minha morena tropicalista!
  Espero que esteja te alimentando bem, Joey me disse que anda magra, com enormes olheiras, sem brilho. Cadê as purpurinas, my angel? Where's it? Lembra-te, só és feliz ao meu lado. Meu coração só pulsa firme ao lado do teu.
  Deixa-me cuidar de tuas marcas, dar-te novas asas. Deixa-me, não me deixe aqui, nesse continente lindo e triste. Todas as manhãs, ao ser desperta pelo sol, repito 4 vezes: "respira, little darling, respira, paciência e logo estarei aí". Para lhe enviar força e muito axé.
  Fica bem e cheia de luz, e lembre de respirar profundamente, little darling, respire.
Nunca duvide do meu amor por ti,
Da sempre tua,
Europeia tropicalista
Contagem, 12 de junho de 2011

{...},
  Que os dias passam lentos já não é verdade. Correm loucos, nessa pressa pra envelhecer, correm depressa para o futuro, pra o ponto em que - com esperança acredito, rezo, desejo - o ponto em que seus olhos brilhantes encontram meus olhos úmidos, e você me abraça e me cuida e me abriga, novamente, em sua vida. O ponto em que direi o quanto me orgulho de ti, o quanto quis ter seguidos seus passos, sentido seus traços, por essas andanças que fez ao longo desses anos em que não estive - fisicamente - perto de ti. A saudade me faz feliz - apesar de doer loucamente em dias de chuva e solidão - porque me faz lembrar todos os dias, melhor, em todas as horas, o quanto necessito de ti, o quanto é dificil seguir e continuar sem sua presença, sem sua mão estendida pra me segurar e não deixar cair. A saudade não me deixa esquecer dias de sol que passamos juntos, dias de tempestade que superamos juntos, dias de tormenta que nos afastamos e nos amamos e doemos loucamente. Me faz lembrar que ainda te amo e te quero do meu lado, mas não me veja tentando reatar uma história de amor já destruída, esquecida e gasta, ou veja como isso. Mas o que estou tentando te dizer é que te quero aqui, do meu lado, como amigo, como irmão, como pai, como qualquer coisa que me ame, me anime e me cuide. Quero você aqui, onde está constantemente amanhecendo. Quero músicas para minhas noites e luz para os meus dias. Ainda te amo, repito. Não podemos e não vamos esquecer o quanto necessitamos um do outro, o quanto precisamos um do outro. Brigas, sim. Infantilidade, sim, muita. Mas para crescer, para nos lembrar - pelo menos a mim - que sem você dá pra viver, mas não é a mesma coisa. Os dias ficam mais pesados e me sobra só essa dor e ansiedade de querer te ligar e saber de coisas corriqueiras da sua vida, se você tem dormido bem, se está se alimentando direito, se está cansado de levantar cedo para trabalhar, são coisas assim que me fazem falta. Coisas pequenas. De poder te ligar - ou te ver - e dizer que tô cansada da faculdade, mas que amo meu emprego, que estou comendo mais chocolate que o normal e que minhas noites de sono tem sido pesadas, por causa do frio. Coisas banais e pequenas. Que fazem uma falta grande, que me doem e nao me deixam esquecer que sem você eu sei viver sim, mas são dias pesados e dificilimos de enfrentar, quando acordo e sinto sua presença dentro de mim. Quando sonho com seu sorriso, ou com seu abraço. Ou quando o vento traz o seu cheiro. E essa data, que eu não esqueceria nunca, essa data que me doí por não estar do seu lado, por não poder te dar um abraço apertado e desejar TODA a felicidade do mundo, te desejar força e dizer que acredito no seu sonho, que acredito em você. E dizer, mais uma vez, que te amo.
Eu te amo.
Da sempre sua,
{...}