Dezembro, 27, 1995. Canadá.

My dear, 
     Sentei em um desses cafés de esquina, com mesinhas de madeira na rua e guarda-sol de cores claras, aconchegante. Sentei com um livro, meu óculos escuro grande e vestido florido. Como há de ser nessa primavera quase-européia. Sentei em um café, mas o calor me fez pedir um suco natural, bem gelado. Fiquei assim: de frente pra rua, livro aberto – como se alguém (normal e míope) lesse de óculos de sol. Observei crianças com sorvetes coloridos, cachorros de madame, casal de velhinhos. Fiquei atenta a vida, até... até uma moça, jovem, uns 20 e pouco anos (ou até menos, você sabe como elas crescem rápido, né?). A moça que não sei o nome, sentada de lado pra rua, mas de frente pra mim, óculos escuros grande, cabelos longos, ar de quem sofre por amor. Acho que ela era estrangeira, talvez Brasil, México, não sei. A moça olhou pra rua e suspirou:

   “Honestamente – ela disse em voz alta – acho que fui traída, ou trai primeiro?! É isso! Havia um pacto, compreende? Mas não dava mais. Simplesmente não dava. Vê-lo ali, pulsando fraco, sem cor, não! De jeito nenhum! Cutuquei, gritei. Claro, senti medo, mas arrisquei, oras. Desculpa, coração. Mas vê-lo assim, vermelho, ardendo em chamas, pulsando forte, cheio de esperança. Apaixonado! Me dói menos, me dói nada, nadinha. E assim vai continuar, pois quebrei o pacto. Você entende o que tento dizer? Ah! O amor é tão mais lindo...”

    Quase respondi, mas o quê? Por instantes pensei que estava com um daqueles foninhos modernos quase-invisíveis sem fio. Mas não! Ela olhava longe, fundo. Como se alguém do outro lado do horizonte pudesse ouvi-la.
  Levantou assim: com ar de cansada, quero-minha-casa-mas-onde-é?-pertenço-ao-mundo. Aposto que é moça viajada. Sofrida. Tropicalista. Deu um tchauzinho curto, quase imperceptível, não sei se foi pro café, pra mim, pra alguém lá do fundo, pra cidade, pra vida. Não sei.
    Foi embora assim: com perfume de quero-colo-mas-vou-seguir-sozinha. Imagino um final pra essa moça: parada no aeroporto de seu país, lendo lentamente os vôos, dispersa. Talvez falando sozinha. Um abraço apertado, ‘te amo’, ’senti sua falta’, ‘que bom que voltou’.
     E ela seguirá assim: sem precisar embarcar em outro avião rumo à solidão. Sem um porto. Sem medo de sair do aeroporto, talvez Brasil, talvez México, e descobrir que tudo – ou nada – mudou.
     Ela seguirá assim: sem fugir do ‘não’ de quem lhe roubou o coração. Seguirá acreditando que “o amor é tão mais lindo”.
       E eu segui assim: avião rumo ao México, traçando essas linhas tortas pra te contar sobre essa moça que é você, eu, todos nós e a esperança no amor.
       Mesmo após tantos anos – não sei se 18 ou 22 – tenho medo do que me espera por aí. Continuo sem endereço, então.
     Mando-lhe passagens pro México, mas não se sinta obrigado.

Saudade eterna.
Da sua,
V.